Executado com tiros na cabeça em Anapu, Ronilson era liderança de projeto de assentamento agrário e não estava em programa de proteção de direitos humanos. Polícia diz que identificou suspeitos. Ninguém foi preso. Defensores acreditam que pistoleiros agiram a mando de fazendeiros da região. Agricultor denunciava invasões em vídeos gravados dias antes de ser morto no Pará
O assassinato com características de execução de um agricultor no Pará chamou atenção de ministros e de defensores dos direitos humanos no campo.
Ronilson de Jesus Santos, agricultor e liderança rural em Anapu, no sudoeste do estado, foi morto aos 52 anos com tiros na cabeça na sexta-feira (18).
O crime foi na mesma região em que a missionária norte-americana Dorothy Stang foi assassinada em 2005 - também pelo mesmo motivo: conflitos de terra. Já são 21 agricultores mortos no município desde 2015, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Ronilson era liderança do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PSD) Virola-Jatobá e também era dirigente da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf Brasil), atuando na luta pela reforma agrária no Pará.
Nos últimos dias em vida, ele denunciava invasões por madeireiros e pistoleiros na área ocupada por 120 famílias do assentamento.
O ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, definiu a região como "palco de conflito entre agricultores e madeireiros" e pediu providências dos órgãos de segurança pública do Pará. Até esta segunda-feira (21), ninguém havia sido preso.
O corpo foi enterrado neste domingo (20) no cemitério público municipal de Anapu. Familiares, amigos e conhecidos da comunidade rural fizeram as últimas homenagens.
Nesta reportagem, você vai saber o que se sabe e o que falta esclarecer sobre o caso:
Quando e onde ocorreu o crime?
Quem são os suspeitos?
Quais seriam as motivações?
Como estão as investigações?
O que dizem defensores de direitos humanos no campo?
Agricultor Ronilson de Jesus Santos era liderança em assentamento agrário em Anapu, no Pará.
Reprodução / Arquivo Pessoal
1. Quando e como ocorreu o crime?
Na sexta-feira (18), o agricultor estava sozinho em casa quando pistoleiros chegaram. Os tiros atingiram a cabeça da vítima, que morreu no local.
Eram por volta das 14h20 de sexta-feira (18) quando o corpo de Ronilson Santos foi encontrado no quintal da casa no bairro Alto Bonito.
Era Sexta-Feira Santa. Horas antes do corpo ser achado, o filho caçula havia saído para comprar peixe para almoçarem. Ainda não se sabe a hora exata que o crime ocorreu.
O PDS Virola-Jatobá possui área equivalente a quase 40 mil campos de futebol. Fica localizado a 25 quilômetros da rodovia BR-230, a Transamazônica.
A área de assentamento agrário foi regularizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2002. O projeto é resultado do trabalho da norte-americana e, desde a criação, vem sendo alvo de disputa de terra.
O assassinato ocorreu dias antes de 23 de abril, quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT) vai lançar o relatório anual de "Conflitos no Campo Brasil".
2. Quem são os suspeitos?
Testemunhas afirmaram à polícia que Ronilson foi surpreendido no quintal da casa por dois homens que chegaram de moto.
A dupla usava capacetes e estava em uma moto azul. Após a execução, os dois fugiram.
Para os vizinhos, os suspeitos estão ligados a fazendeiros que promovem invasões no assentamento, a fim de explorar a área, principalmente, para extração de madeira. O relato ainda está sendo apurado pela polícia.
3. Quais seriam as motivações?
Quatro dias antes do crime, Ronilson gravou segunda-feira (14) um vídeo denunciando a invasão de madeireiros e pistoleiros na região. No vídeo, ele relatou que invasores estavam entrando na área para construir acampamentos e mexer nas plantações.
"Os fazendeiros estão ali construindo barraco, tirando estaca, fazendo tudo, fazendeiro com pistoleiro dentro da área. Isso não pode acontecer", ele dizia no vídeo.
Vivendo na área desde 2016, os agricultores da comunidade liderada por Ronilson relatam que a situação estava escalando em tensão por disputa de terra.
Ao g1, filha da vítima, Janiele Anunciação de Jesus revelou "que a situação estava bem complicada, porque começou a aparecer um pessoal querendo tomar a área, ameaçando, amedrontando, e foram entrando".
"São madeireiros, pistoleiros, não sei por que tanta ganância. Eles tiraram muita estaca, até hoje estão lá, um monte de estaca para todo o lado. A gente sempre se sentiu desamparado, desprotegido, sem saber em quem confiar".
A família acredita que a situação pode ter sido a motivação do crime - o que ainda vai ser definido pelas autoridades policiais.
4. Como estão as investigações?
O caso é investigado pela Delegacia Especializada em Conflitos Agrários (Deca), em Altamira, município vizinho a Anapu.
Até domingo (19), oitivas estavam sendo programadas pelas equipes policiais e os agentes devem ir a campo para coletar provas e depoimentos.
Nenhuma linha de investigação está sendo descartada no momento, segundo a polícia, e possíveis suspeitos já foram identificados. Ninguém havia sido preso até a manhã desta segunda-feira (21).
Ao publicar sobre o caso nas redes sociais, o ministro Paulo Teixeira anunciou que conversou com o secretário de Segurança Pública do Pará (Segup), Ualame Machado, para pedir investigação do caso e proteção aos demais agricultores.
Segundo os agricultores, Ronilson e outras pessoas do assentamento não estavam em programa de proteção.
Teixeira também solicitou à ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, que o assentamento Virola Jatobá e o acampamento no Vale do Paracuru sejam incluídos no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos.
O g1 solicitou aos ministérios informações sobre a inclusão no programa de proteção, mas ainda havia obtido resposta até a publicação da reportagem.
Liderança agrária é morta a tiros em Anapu, no Pará
Já a Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup) informou, em nota, que equipes especializadas da Polícia Civil foram deslocadas para o município de Anapu para reforçar o policiamento e agilizar a investigação do caso.
Ainda segundo a secretaria, agentes das Policias Militar e Civil seguem em diligências na região para identificar e responsabilizar os autores do crime.
A Segup informou ainda que a Ronilson não integrava o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e que, também, não havia pedido para a inclusão.
Informações que ajudem na apuração do caso devem ser repassadas ao Disque Denúncia, pelo número 181.
5. O que dizem defensores de direitos humanos no campo?
É o 21º assassinato de agricultores em Anapu desde 2015 - todos com fazendeiros apontados como mandantes, segundo a CPT Anapu.
A comissão se manifestou, ao g1, que "junto com outros acontecimentos recentes este caso mostra que a violência no campo volta a aumentar".
"Anapu é um município onde, apesar de tanta violência contra agricultores, nunca a mão de um agricultor matou um fazendeiro. Esse é mais um assassinato a mando de fazendeiros", disse a CPT.
A Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Pará (Fetraf Pará) divulgou uma nota dizendo que "o Pará não pode continuar sendo o palco de massacres silenciosos e repetidos, enquanto comunidades inteiras vivem com medo, ameaçadas por interesses que privilegiam a grilagem, a pistolagem e o lucro acima da vida".
Em nota publicada nas redes sociais, a Contraf Brasil repudiou o crime e prestou solidariedade à família de Ronilson.
A confederação disse que "tem o compromisso de denunciar esse crime bárbaro" e que "vai tomar providências para exigir a apuração rigorosa dos fatos e a punição dos responsáveis".
Ronilson de Jesus Santos era uma das principais lideranças locais ligadas à luta pela reforma agrária na região.
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