Pablo Leguizamon relembra o dia em que seguiu o então cardeal Bergoglio, arcebispo da capital argentina, após um evento no feriado de Corpus Christi, em 2008. Ele afirma que estava muito perto do religioso, mas não trocou nenhuma palavra com ele, nem para pedir que olhasse para a câmera. Cardeal Jorge Mario Bergoglio, que se tornaria o papa Francisco, no metrô de Buenos Aires em 2008
Pablo Leguizamon/AP
Num sábado frio de maio de 2008, durante o feriado de Corpus Christi, em Buenos Aires, o cardeal Jorge Mario Bergoglio discursou para uma multidão de jovens na Praça Once da capital argentina. Ao fim do evento, a autoridade máxima da Igreja na cidade tomou o metrô, como de costume, para retornar à Catedral Metropolitana de Buenos Aires.
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A atitude era típica de Bergoglio, figura relativamente conhecida na Argentina: apesar do cargo que ocupava, mantinha hábitos simples e recusava os luxos que a posição lhe oferecia. Cinco anos depois, o cardeal se tornaria famoso para muito além do Rio da Prata, ao se tornar o papa Francisco, morto na última segunda-feira (21).
Foi naquele dia 24 de maio, ao tomar o trem da Linha A da estação Praça Miserere em direção à Praça de Maio, que foi feita uma das mais famosas imagens de Francisco antes de ele se tornar papa: vestido de preto, sentado no banco de um vagão, em meio a pessoas comuns.
"Não era habitual ver o arcebispo de Buenos Aires usando o metrô. Era esperado que circulasse de carro", conta o Pablo Leguizamon, 46, autor do clique, em relação aos antecessores de Bergoglio. "Mas era um homem que se comportava como um monge, ou o padre de uma paróquia."
Naquela época, Leguizamon era freelancer e estudante de fotojornalismo na capital argentina. Estava encarregado de cobrir o evento com Bergoglio, mas, ao fim, decidiu segui-lo até o trem, entrando no mesmo vagão que o cardeal. Dentro da Linha A, aos 29 anos, ele fez a foto mais famosa de sua carreira até agora.
"Senti instintivamente que aquela foto ia se valorizar com o tempo", relembra o repórter fotográfico. "Não imaginava que ele se tornaria papa, mas essa profissão adquire importância no longo prazo."
Leguizamon conta que ele estava muito perto de Bergoglio, mas não conversou com ele, nem sequer para pedir que olhasse para a câmera. Depois de fazer o registro, saiu do trem, enquanto o cardeal seguiu seu caminho.
"Ele levantou o olhar por alguns segundos. Algo havia lá. Tive uma intuição, um palpite", diz o profissional.
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Simplicidade
A imagem se tornou um símbolo da trajetória de Francisco, desde a ordenação como padre jesuíta até os seus últimos anos, no Vaticano, no cargo máximo da Igreja Católica.
Em Buenos Aires, mesmo após ser ordenado arcebispo e cardeal, Bergoglio era comumente visto circulando nos bairros mais pobres, conversando e tomando mate com moradores na rua.
Uma vez papa, recusou-se a adotar os suntuosos Apartamentos Papais do Palácio Apostólico como residência. Em vez disso, optou por morar em um quarto simples na Casa Santa Marta, hospedaria construída em 1996 para receber membros do clero de passagem por Roma.
"Muitas pessoas o reconheciam por suas vestes religiosas, mas o que chamava a atenção era que ele andava pela rua como todo mundo. Nunca teve guardas e sempre pegava o trem ou o metrô, nunca com um motorista ou carro particular", disse Jorge García, um vendedor que via frequentemente o cardeal no Centro de Buenso Aires, ao ser entrevistado pela BBC Mundo.