Empresa tem contrato com a Susepe há mais de um ano para instalar equipamentos em 23 prisões, mas o sistema não funciona adequadamente. Na única penitenciária em que foi testado, sinal vazou até em módulo de segurança máxima. Presídio de Charqueadas, na Região Metropolitana de Porto Alegre
Reprodução/RBS TV
Motor do crime organizado dentro das prisões, os aparelhos de telefonia celular continuam funcionando nas mãos de detentos no Rio Grande do Sul, apesar de o governo estadual ter contratado a instalação de bloqueadores de sinal, com a promessa de que eles resolveriam o problema, desde 2021, como apurou a RBS TV junto com o repórter Carlos Rollsing, de GZH.
📲 Acesse o canal do g1 RS no WhatsApp
A atual tentativa tem mais de um ano de vigência contratual sem que nenhum sistema bloqueador tenha sido instalado com sucesso no estado.
As estatísticas oficiais mostram a presença crescente dos celulares nas prisões gaúchas.
Em 2023, foram apreendidos 12.175 aparelhos que entraram ilegalmente nas unidades.
Depois, em 2024, o número subiu para 14.280.
Proporcionalmente, a alta foi mantida entre janeiro e abril de 2025, com o confisco de 4.916 telefones móveis.
Instrumentos que, antes de recolhidos, eram usados a serviço de “extorsões, golpes cibernéticos e comunicação direta com o mundo exterior, possibilitando que detentos continuem a comandar organizações criminosas”, conforme destacado em documento do governo estadual para justificar a mais recente contratação dos bloqueadores.
Há quatro anos, em 2021, a empresa Amper Secomdef foi contratada para prestar o serviço, mas teve o acordo encerrado após 24 meses de insucesso na tarefa. A atual tentativa é com a IMC Tecnologia em Segurança, vencedora de pregão eletrônico, que assinou contrato em março de 2024 com a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), em transição para se chamar Polícia Penal.
A IMC tinha prazo original de 270 dias corridos para instalar os bloqueadores de sinal que acabariam com a utilidade dos celulares em 23 das principais prisões gaúchas, mas não conseguiu concluir o serviço em nenhuma unidade até o momento.
O único local em que a fase de testes foi iniciada, conforme documentos oficiais da Susepe obtidos pela reportagem, é a Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC), onde estão presos líderes de facções criminosas, mas o sistema da IMC já foi reprovado em três exames. Foram identificados vazamentos de sinal que mantêm celulares operantes para ligações e internet, inclusive em celas e no módulo de segurança máxima. Nas demais unidades prisionais, os testes nem sequer começaram, mais de um ano após a assinatura do contrato.
A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) comunicou à Susepe, em reunião e em ofício remetido à direção do órgão penitenciário entre o final de 2024 e o início de 2025, que os bloqueadores instalados na Pasc estavam fora das especificações de uso autorizadas. Eram equipamentos diferentes do que foi homologado e fora da frequência permitida. A IMC também teve suspenso, em fevereiro de 2025, o certificado de homologação de um dos seus aparelhos instalados no estado.
Esse documento é emitido pelo órgão fiscalizador do setor de telecomunicações, a Anatel, atestando que o produto está registrado e liberado para uso, dentro das frequências autorizadas. A Susepe foi comunicada que os bloqueadores em teste na Pasc teriam causado interferências em 10 municípios da região de Charqueadas e bloqueado as linhas de cerca de 160 mil usuários de serviços de telefonia.
Todas as informações constam no ofício 264/2025, enviado pela Anatel à Susepe, ao qual a reportagem teve acesso. Em outro documento, este da Susepe, com data de fevereiro de 2025, foi registrado aviso da Anatel de que, caso os equipamentos não fossem regularizados, a instalação dos bloqueadores da IMC não poderia seguir adiante.
Ciente dos alertas e do fato de a IMC não ter instalado nenhum sistema com sucesso, a Susepe renovou o contrato da empresa por mais um ano, em abril de 2025. O cronograma de instalação também foi prorrogado.
Além da Pasc, o sistema da IMC deverá ser instalado em prisões de cidades importantes, como Santa Maria, Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas e na Cadeia Pública de Porto Alegre, sucessora do Presídio Central, que atualmente está sem apenados. As 23 unidades prisionais previstas para receber o sistema de bloqueio da IMC somam 22 mil apenados, o que representa 44,5% dos 49,4 mil detentos que formam a população carcerária do Rio Grande do Sul.
Bloqueio emergencial
Até os dias de hoje, as penitenciárias do Rio Grande do Sul permitem que presos contem com sinal para cometer crimes por meio de celulares que entram ilegalmente no sistema carcerário. A exceção é o Complexo de Canoas, que envolve quatro penitenciárias estaduais, as Pecans. Nessas unidades, opera um sistema de bloqueio emergencial, com tecnologia que não é mais de ponta, informou a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo.
O plano é que a ferramenta da IMC, considerada mais moderna, substitua a utilizada atualmente nas Pecans. Em 18 centros prisionais que devem ser contemplados, incluindo unidades importantes, como a Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ), o celular segue operando a serviço do crime sem barreiras. Na Pasc, apesar das reprovações da IMC nos testes, o sistema foi deixado ligado, fazendo um bloqueio parcial dos sinais de comunicação.
Tentativas fracassadas na Pasc
A reportagem teve acesso a dois relatórios de fiscalização dos bloqueadores da IMC na Pasc, única unidade prisional em que os testes começaram.
Os exames foram realizados em 17 de fevereiro de 2025, e o caderno de resultados destaca a reprovação após tentativas de ligação de voz e acesso à internet realizadas em oito ambientes no interior da Pasc. Foram detectados, conforme documento da Susepe, 33 pontos de vazamento de sinal. Deste total, 24 foram identificados no módulo de segurança máxima. É o local onde ficam os apenados de maior periculosidade, envolvidos em crimes de tráfico, roubo e assassinatos.
Um novo teste, registrado em documento oficial da Susepe, aconteceu em 6 de março de 2025, na Pasc. Os pontos de vazamento de sinal se ampliaram para 36 no interior da penitenciária e o sistema bloqueador foi novamente reprovado.
A reportagem ainda obteve relatórios de fiscalização de outras seis unidades que devem receber o bloqueador da IMC. Em todas elas, a informação registrada é de que o sistema, precedido de algumas obras de infraestrutura, ainda não está pronto para o início da fase de testes ou da operação.
Essas situações foram verificadas documentalmente nas seguintes prisões: Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí, Presídio Regional de Passo Fundo, Penitenciária Estadual do Jacuí, Presídio Regional de Pelotas, Penitenciária Estadual de Charqueadas e Penitenciária Estadual de Caxias do Sul.
Como nenhum sistema foi instalado com sucesso, a empresa IMC não recebeu qualquer pagamento do estado até agora. O contrato prevê que os repasses serão feitos após a instalação e aprovação dos bloqueadores nos testes, com início efetivo da operação, o que segue pendente.
O contrato original, assinado em março de 2024, na gestão de Mateus Schwartz à frente da Susepe, tinha prazo de 12 meses, com custo de R$ 28,5 milhões ao ano pelos serviços prestados nas 23 penitenciárias. Em abril de 2025, o contrato foi renovado por mais 12 meses, sob a superintendência de Luciano Lindermann, sucessor de Schwartz.
Prestadora de serviço é do Paraná
A IMC Tecnologia em Segurança Ltda, vencedora do pregão eletrônico para atender a demanda da Susepe por bloqueadores de celular, tem sede em uma sala no Centro do município de Quitandinha (PR), distante cerca de 68 quilômetros de Curitiba.
No processo administrativo da Susepe em que foi contratada, a IMC apresentou um atestado de capacidade técnica emitido pela empresa New Life Gestão Prisional. O atestado de capacidade técnica é um documento em que a prestadora de serviço busca demonstrar, a partir do seu currículo, ter condições de executar o serviço para o qual irá assinar contrato. No documento, a New Life diz que a IMC demonstrou aptidão ao executar o sistema de bloqueio de sinal na Penitenciária de Segurança Máxima 2 (PSM 2), em Maceió (AL).
Veja as 23 prisões em que é prevista, conforme contrato, a operação de sistema de bloqueio de sinal para celular da IMC
Cadeias em que hoje não existe sistema de bloqueio:
Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (PASC)
Penitenciária Estadual de Charqueadas II
Penitenciária Modulada Estadual de Charqueadas
Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos
Penitenciária Estadual de Charqueadas
Penitenciária Estadual do Jacuí
Cadeia Pública de Porto Alegre
Penitenciária Estadual de Porto Alegre
Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba
Penitenciária Estadual de Caxias do Sul
Penitenciária Estadual de Santa Maria
Penitenciária Estadual de Venâncio Aires
Penitenciária Modulada Estadual de Ijuí
Presídio Estadual de Passo Fundo
Penitenciária Estadual de Rio Grande
Presídio Estadual de Pelotas
Penitenciária Modulada Estadual de Uruguaiana
Penitenciária Modulada Estadual de Montenegro
Penitenciária Modulada Estadual de Osório
Cadeias em que opera um serviço emergencial de bloqueio de celular. A solução da IMC deve ser a substituta da tecnologia adotada hoje:
Penitenciária Estadual de Canoas I (Pecan I)
Penitenciária Estadual de Canoas II (Pecan II)
Penitenciária Estadual de Canoas III (Pecan III)
Penitenciária Estadual de Canoas IV (Pecan IV)
“Vamos ter bloqueador nos presídios”, afirma secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo
O governo estadual diz ter recebido a promessa da IMC de que metade dos bloqueadores estará apta para os testes até o final de maio. A outra parte, comunicou a empresa, deverá estar instalada nos presídios e pronta para os testes até setembro. As informações são do secretário de Sistemas Penal e Socioeducativo, Jorge Pozzobom, que se reuniu com a IMC no dia 8 de maio para discutir o destrave na prestação do serviço.
"A empresa teve problema com a homologação de equipamento na Anatel. Depois, tivemos a enchente, que complicou bastante. Vamos exigir o cumprimento do contrato e o funcionamento 100%. Se, em algum momento, entendermos que não há mais o que fazer, não teremos problema em rescindir o contrato. O certo é que o bloqueador faz parte da matriz de segurança pública e nós vamos colocar, seja com a empresa A, B ou C", assegurou Pozzobom.
Ele destacou que a prestadora de serviço foi notificada cinco vezes pela Susepe para que cumpra o contrato. Pozzobom reforçou que a empresa está sob risco de receber advertências, multas e até de rescisão contratual, mas afirmou que a intenção é aguardar pelo funcionamento do sistema até quando for possível. A decisão, diz ele, é motivada pela complexidade de fazer outra licitação para contratar novo prestador de serviço.
"Dentro da plausibilidade, queremos pegar os presídios mais importantes, sob o ponto de vista da segurança pública, para que seja dada prioridade" afirmou Pozzobom.
O que dizem os envolvidos
IMC Tecnologia em Segurança
Em nota, afirmou ter níveis satisfatórios de eficácia no bloqueio de radiocomunicações no interior de estabelecimentos prisionais. A IMC confirma a realização de testes que identificaram vazamentos de sinal na Pasc. Afirma que, em um dos testes na unidade, alcançou eficácia de 93%, restando inconsistência quando ocorria tentativa de uso com a operadora Tim.
A empresa registrou: “A situação da Pasc é especial, pois trata-se de um presídio vertical, com quatro pavimentos e grande área construída, o que exige um projeto específico. Outro problema de grande relevância identificado, que impacta diretamente no nível de eficácia do bloqueio, é a presença física de uma torre de telefonia celular a 300 metros do presídio.”
A IMC afirmou que essa antena entregava sinal dentro da Pasc, em potência muito alta, o que dificultava o bloqueio. A empresa disse que, após tentativas com a operadora e a Anatel, a Tim “realizou a retirada e correção dos painéis de antenas que estavam voltadas para a Pasc.” Essa correção da operadora teria ocorrido em 2 de abril de 2025.
A IMC acrescentou: “Agora que as irregularidades foram corrigidas, o projeto de bloqueio da Pasc está sendo corrigido, reavaliado e passando por novos testes.” Será emitido um comunicado à Susepe solicitando novo teste oficial de eficácia.
Sobre a inconclusão da instalação do sistema de bloqueio nos demais 22 presídios, a IMC afirmou: “O primeiro impacto no cronograma do projeto ocorreu pelas cheias históricas de 2024, o que levou à assinatura de uma reprogramação a partir do final de agosto. Desde então, a empresa teve que refazer todos os projetos para aprovação. Como a Pasc foi apresentada como a prioridade máxima de instalação, acabou consumindo muito tempo e investimentos.”
Sobre os demais presídios, afirma que somente em 6 de março de 2025 obteve autorização para seguir com as instalações. A previsão, afirma, é entregar os sistemas instalados em 10 unidades prisionais em maio de 2025, com o início posterior das fases de testes.
Sobre a interferência causada nos aparelhos de 160 mil usuários em 10 municípios do entorno de Charqueadas, a IMC relatou ter conhecimento do apontamento da Anatel, mas refutou que isso tenha acontecido. A IMC disse jamais ter recebido um relatório técnico da Anatel sobre onde estavam ocorrendo as interferências.
“A empresa tem informações seguras de que esse nível de interferência nunca ocorreu”, registrou a IMC.
Sobre as frequências dos bloqueadores, a IMC afirma que jamais houve irregularidade. Confirma ter sofrido suspensão cautelar da licença do equipamento, mas assegura ter recuperado, em 30 de abril de 2025, a autorização de uso após apresentação de defesa.
A IMC finalizou: “Possuímos atuação técnica consolidada. Agimos com convicção na excelência dos serviços. Jamais faríamos um investimento milionário se não estivéssemos seguros quanto à capacidade de entrega da empresa. O objetivo sempre foi o êxito e não aceitaríamos correr riscos desproporcionais.”
VÍDEOS: Tudo sobre o RS