Até então de uso restrito, o calibre, mais potente e com maior poder de penetração, teve venda flexibilizada entre 2019 e 2022 – tempo suficiente para se tornar o mais comprado legalmente e o mais apreendido "Gerou uma modernização da arma do crime", diz especialista em segurança. Como a pistola 9mm superou o revólver 38 e a 380 como arma mais popular do Brasil
Antes de uso restrito das Forças Armadas e das polícias federais, a pistola 9mm teve a venda para civis liberada em 2019 e proibida em janeiro de 2023. Esses quatro anos foram suficientes para ela saltar de uma arma rara para a mais popular do Brasil: é a mais comum nas mãos dos cidadãos autorizados a ter armas e a mais apreendida com criminosos.
Nesta reportagem você vai ver que
28% das armas legais do Brasil são pistolas 9mm
O tipo se tornou, também, o mais apreendido no país
A 9mm é mais potente, rápida e com mais poder de penetração que outras armas populares
Quantas armas legais existem hoje no Brasil
Como vai funcionar o controle dos CACs a partir de julho
Segundo dados obtidos com exclusividade pela GloboNews e pelo g1, existem hoje 379 mil pistolas 9mm nas mãos de Caçadores, Atiradores e Colecionadores – os CACs, como são conhecidos. As informações são da Polícia Federal (PF) e foram obtidas pelo pesquisador Roberto Uchôa, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Além dessas, há outras 264 mil pistolas 9mm com registro ativo com cidadãos que as adquiriram para defesa pessoal, segundo dados também da PF.
No total, são 643 mil pistolas 9mm, que representam 28% de todas as armas legais do país.
os famosos revólveres 38, que somam 272 mil;
as 274 mil armas de calibre 22, como entre rifles, carabinas, revólveres e pistolas;
e as 492 mil pistolas 380, que entre 2012 e 2019 foi a mais registrada para defesa pessoal. (O Exército não forneceu o detalhamento dos calibres das 244 mil armas adquiridas pelos CACs nesse período).
Infográfico mostra número de cada arma com os brasileiros até 2024.
Arte/g1
Para Gustavo Pazzini, CAC e dono de um estande de tiro na Zona Sul de São Paulo, a 9mm era desejo de aficionados por armas.
"O primeiro fator preponderante é a vontade de ter uma arma que antes era restrita. O segundo ponto é que entre 9mm, .40 e .45, temos um fator importantíssimo que é a capacidade de munições em um carregador, com a 9mm tendo mais balas", diz. "Quando a gente compara por exemplo uma 9mm com uma 380, nós temos pouquíssima diferença."
Roberto Uchôa, especialista em controle de armas e conselheiro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), avalia que a liberação da 9mm fez com que a demanda represada fizesse a procura disparar. "Em pouco tempo, ela se torna a arma mais vendida do Brasil".
“[O calibre 9mm] É tão restrito no Brasil que, em determinada época, somente a Polícia Federal e os militares tinham acesso, nem as outras forças de segurança tinham", afirma.
Balas de calibre .380 (à esq.) e de 9mm (à dir.)
Luiz Gabriel Franco/g1
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9mm é a arma mais apreendida
Pistola 9mm apreendida pela Polícia Militar de Minas Gerais.
Polícia Militar/Divulgação
A possibilidade de compra por civis fez com que a 9mm passasse a ser a mais popular no mercado ilegal: em 2018, 11 armas foram apreendidas, roubadas, furtadas ou perdidas pelos donos (contra 1.176 revólveres 38). Já em 2024, foram 1.377 unidades 9mm encontradas com criminosos ou que caíram no mercado ilegal.
“Esse afrouxamento do regulamento fez a 9mm crescer tanto no mercado legal e também no ilegal. Então, gerou uma modernização da arma do crime para armas mais potentes, o que é péssimo para a segurança pública e o que é péssimo para o cidadão que está na rua”, afirma Bruno Langeani, consultor sênior do Instituto Sou da Paz.
Delegado do grupo de Operações Especiais da Polícia Civil de Pernambuco, Tenório Neto lembra que, além da 9mm, outras armas mais poderosas passaram a compor os arsenais com a flexibilização a partir de 2019 – como o fuzil 5.56mm que o ex-deputado Roberto Jefferson usou para disparar contra policiais em outubro de 2022.
"Aumenta o risco, aumenta o nível de alerta, o nível de estresse no cumprimento de mandados, seja de prisão, de busca e apreensão ou até mesmo nas patrulhas que a Polícia Militar faz nas áreas conflagradas pelos criminosos. É inegável que há um risco maior de confronto com pessoas", afirma.
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9mm é mais rápida que revólveres e mais poderosa que pistola 380
Por ser uma pistola, a 9mm carrega mais balas (de 12 a mais de 20) do que revólveres (5 a 8). Além disso, como usa pente e não tambor, é uma arma que leva menos tempo para ficar preparada entre um tiro e outro (veja no vídeo acima).
A 9mm tem, ainda, quase o dobro da potência da pistola 380 (453,56 joules contra 245,32 joules). Além disso, o formato da bala, cônica, dá à 9mm um maior poder de penetração – podendo atingir pessoas atrás de obstáculos com mais facilidade.
"O projétil [de 9mm] tem um grande poder de penetração, então ele transfixa a lataria de um veículo ou a estrutura metálica de um portão com grande facilidade", afirma o perito criminal Bruno Lazzari, presidente do Sindicato dos Peritos Criminais do estado de São Paulo. "[Tem] grandes chances de atingir alguém que esteja atrás de um veículo, de uma pessoa ou mesmo de um portão."
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Brasil tem 2,3 milhões de armas legais
Há atualmente quase 2,3 milhões de armas com os brasileiros, sendo quase 1 milhão com CACs e 1,3 milhão com cidadãos que adquiriram para defesa pessoal.
Desde o Estatuto do Desarmamento, em 2003, houve dois momentos em que o número de registros aumentou expressivamente:
em 2010, quando terminou o prazo para que os donos de armas as recadastrassem. Naquele ano, os calibres mais registrados foram 38 (214 mil), 32 (132 mil) e 22 (85 mil). Havia 557 unidades da 9mm.
E entre 2019 e 2022, quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) aumentou por meio de decretos o acesso a armas, sobretudo para os CACs, que obtiveram as autorizações por meio do Exército – a partir de julho, essa será da PF (leia mais aqui).
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Controle de CACs vai para a PF
O Ministério da Justiça e Segurança Pública anunciou nesta quinta-feira (15) que a Polícia Federal assume, a partir de 1º de julho, a responsabilidade pela fiscalização dos CACs.
A responsabilidade é, atualmente, do Exército. A transferência para a Polícia Federal foi determinada pelo governo Lula (PT) e consta do chamado decreto das armas, assinado em julho de 2023.
O texto previa que a fiscalização passaria à PF a partir de 1º de janeiro de 2025. Mas a própria PF pediu prorrogação porque não havia recebido recursos para criar a estrutura necessária para assumir a função.
Bruno Langeani, do Sou da Paz, considera que a PF "vai ter uma capacidade de otimizar" a fiscalização dos CACs porque parte da fiscalização pode ser feita "com outras bases, algo que o Exército nunca fez".